Ano acadêmico
2021/2022
A formação em Design de Moda do IED-SP busca trazer à luz uma atuação mais completa do profissional de moda, que para além da estética de tendências - muito atrelada à figura do estilista no senso comum - se propõe a questionar o contexto contemporâneo.
Neste trabalho, vê-se o poder das raízes que constroem o indivíduo, sendo ampliado ao universo da vestimenta, carregando um pouco de cada memória afetiva da designer, junto às pessoas que vestirem seus produtos.
O projeto da aluna Tatiane Iizuka consiste no desenvolvimento de uma coleção de moda inspirada no conceito japonês do "wabi-sabi" e suas regras estéticas pela pesquisa de sua origem religiosa Zen Budista e das áreas em que esse conceito possui grande influência, como a cerimônia do chá, os jardins japoneses e os poemas “haiku”.
A escolha do tema principal, que serviu de inspiração para a coleção, possui uma relação de externalização de questões pessoais de auto-aceitação da autora, que nasceu com lábios leporinos e, nesse contexto, criou diversas inseguranças que estiveram presentes em diversos momentos de sua vida, mas que encontrou uma forma de tornar seus medos em processos criativos que exploram conceitos que encontram a beleza nas imperfeições. Este conceito, além de estabelecer essa relação de busca pessoal, também está intimamente conectada com sua trajetória cultural familiar e acadêmica.
Quando questionamos sobre este conceito, existe uma hesitação ao tentar definir o termo "Wabi Sabi", muitas vezes traduzido como “a essência Zen das coisas”, segundo Leonard Koren. Suas primeiras aplicações foram feitas por mestres do chá, em suas cerimônias e monges budistas, através da busca pela aceitação e entendimento da impermanência da vida, da passagem do tempo e o constante fluxo das situações que surgem do nada e se finalizam no nada. “Wabi-sabi é a beleza das coisas imperfeitas, impermanentes e incompletas. É a beleza do modesto e humilde. É a beleza das coisas não convencionais.”
Nascida em uma família de ascendência japonesa, os elementos culturais sempre estiveram presentes em sua vida, nos encontros familiares, nas casas dos avós e outros familiares, nos livros e poesias lidos por seu avô, nos momentos e reunião e lazer. O interesse pela moda sempre esteve presente ao vivenciar uma rotina com uma avó costureira. O intuito social da produção da coleção leva em conta o cenário atual em que o mercado da moda se encontra. O modo de vestir se tornou um veículo que não se limita ao objeto indumentário apenas, para mera proteção do corpo, seja térmica ou ética. A moda se tornou um veículo de manifesto, um documento de identidade, um meio de mensagem. Atualmente, as pessoas estão se vestindo para comunicar, seja um grupo social, um estilo, um ideal, uma religião, uma cultura.
Com a coleção, a autora procura colocar em questão alguns conceitos atuais definidos por influentes setores sociais, principalmente no campo da moda, sobre o que é considerado perfeito ou belo, sobre as rotulações e pré-conceitos que generalizam e exterminam a individualidade. Através da pesquisa dos conceitos do Wabi Sabi, explora materialidades incomuns e superfícies com manipulações têxteis que possam conferir singularidade, emoção e identidade para cada peça. Dessa forma, é esperado que indivíduo que entra em contato com a coleção possa criar uma conexão sentimental com os produtos, através da empatia ou da própria identificação.
A escolha da temática que envolve a beleza do imperfeito foi resultado de um intenso processo que teve início nos primeiros projetos ligados à faculdade de design de moda em que a autora ingressou. Desde o início, quando eram colocadas questões de autoconhecimento, de um resgate pessoal, um assunto que sempre era abordado envolvia a imperfeição, seja na estética ou no próprio conceito destes projetos. A imperfeição é uma temática que a autora carrega por questões pessoais. Nasceu com lábio leporino, um comum exemplo de má formação facial do feto que implica por cuidados especiais, cirurgias e inseguranças. Principalmente durante a infância e adolescência, diversas situações desagradáveis surgiram e geraram uma certa falta de auto aceitação, pelo fato de sempre se sentir diferente, pelos olhares que recebia (as vezes carregados de certa curiosidade, umas de certo estranhamento e outras de algum preconceito). Acredita-se que a fase da infância e juventude de um indivíduo é de extrema importância para a formação de seu caráter e personalidade. Diante destas questões, com muito apoio de amigos próximos e família, percebeu que não havia nada de errado em ter uma “imperfeição”; é claro que o caminho para uma nova visão foi longo, mas percebeu que mesmo que fosse aceita e não julgada pelas pessoas, teria que exercitar a sua própria auto-estima.
Uma das formas que encontrou que facilitou muito esse processo foi tentar externalizar suas inseguranças em seus projetos por meio da expressão artística. Procurou sempre empregar detalhes estéticos que eram um reflexo de sua auto aceitação de forma a embelezar, de certa forma, o projeto artístico. Com isso, sempre sentiu uma necessidade de se conectar diretamente e pessoalmente com suas criações, apenas dessa forma conseguiria se ver satisfeita e representada.
Para o processo de criação da coleção de moda que seria apresentada em seu trabalho de conclusão de curso, resgatou um conceito presente em diversos momentos da sua vida que reflete o caminho que percorreu com suas questões pessoais: o Wabi Sabi, um estilo de vida e pensamento que valoriza, embeleza e aceita a impermanência e as imperfeições.
Assemelhou-se à uma cerâmica que cai no chão e se parte em pedaços. Ela nunca voltará a ser a mesma, mesmo que seja consertada, as marcas de nossa história estão sempre presentes, seja fisicamente ou psicologicamente. Ao invés de sofrer com os pedaços de cerâmica quebrados, seria possível tentar juntá-los novamente, mas sem ocultar ou disfarçar suas rachaduras? Seria possível aceitar que as rachaduras existem e que elas podem contar uma história muito mais interessante do que aquela cerâmica nova e sem marcas do tempo? Seria possível olhar novamente a essas rachaduras e ao invés de ver cicatrizes que tornam o objeto imperfeito, agora embelezam e trazem um significado muito maior?
A partir da pesquisa compilada referente ao tema, foi possível iniciar o processo projetual da coleção Wabi Sabi. Partindo do princípio de o conceito exaltar as questões ligadas à natureza, decidi ir à busca de uma matéria prima têxtil que tivesse certa preocupação com o meio ambiente em seu processo produtivo.
O fornecimento pedia uma empresa com enfoque em tecidos naturais de qualidade, que utilizasse processos sustentáveis em suas produções, como por exemplo, a reutilização da água para fabricação dos tecidos. Diante disto, foi escolhido um fornecedor de tecidos com uma gama de composição de fibras como o algodão, viscose, seda, lã e cupro.
A partir desta etapa, foi necessário procurar pela cartela de cores condizentes com a temática. Levando em consideração as regras estéticas que fazem menção às cores utilizadas nas produções de objetos do Japão, optei por comprar tecidos de colocação branca, off-white ou cru, para que pudessem receber algum tipo de tingimento sem que a cor original do tecido interferisse no resultado final.
Para o tingimento, entendeu que o mais coerente seria buscar por uma cartela de cores que pudesse ser extraída de materiais apenas naturais, algo que foi favorecido também pela composição sem poliéster dos tecidos escolhidos, já que o tingimento natural se adequa a tecidos naturais majoritariamente. Acredito que essa etapa do projeto, além de fazer referência à busca da naturalidade nas cores por meio das regras estéticas do conceito do tema, também foi um processo que buscou seguir o conceito filosófico, através de meios extremamente experimentais de tingimento.
As experimentações de tingimento natural permitem resultados únicos e totalmente artesanais. Manchas, variantes de cor, efeitos marmorizados aconteceram durante o processo e conferiram uma estética que conecta-se com a ação da natureza e relembra características da cerâmica pós queima.
Com os tecidos tingidos, foi possível seguir para uma segunda etapa de beneficiamento têxtil. Nesse momento, gostaria que as ideias da passagem do tempo, do envelhecimento e da impermanência presentes no conceito do Wabi Sabi fossem exploradas. Identifiquei a possibilidade de retratá-las por meio de texturas. A partir da base tingida, poderia fazer aplicações e bordados que remetessem esteticamente aos resultados de envelhecimento natural, como por exemplo, ferrugens, surgimento de fungos, craquelados e superfícies descascadas. O material utilizado para criar tais efeitos foi a lã de merino tingida, aplicada através de bordados, com peças presas em alguns locais, soltas em outros, criando um relevo que vai se modificando com o passar do tempo e do uso da roupa. Outro processo explorado foi o da aplicação de folhas de ouro, que além de remeterem à técnica do Kintsugi na cerâmica, conferem o aspecto do craquelado. A aplicação é feita a partir de pinceladas de mordente diretamente no tecido, que atua como uma espécie de cola, e então posiciona-se a folha de ouro, frágil e de finíssima espessura, que fixa-se apenas onde foi aplicado o mordente. Essas técnicas possuem o intuito de remontar um organismo que cresce na roupa e ocupa o espaço do tecido e do corpo.
Quando criamos algo na atualidade, nos deparamos com um cenário desenfreado de informações vindas de todos os meios. Principalmente na moda, as inspirações e criações de outros artistas nos impactam frequentemente. Por outro lado, surge um questionamento em relação à efemeridade das coisas e ao descarte frente ao cenário da moda.
Um objeto vestível criado para de fato significar, fazer surgir afeto ao espectador assemelha-se ao objeto artístico que não se descarta, mas sim se valoriza. Todas as técnicas aplicadas à execução da coleção trazem certo sentido afetivo e de propósito para uma coleção de moda.