Ano acadêmico
2021/2022
Da Ilha do Ferro, a imensidão do Rio São Francisco e a brasilidade do povo alagoano; do artesanato, as peças entalhadas em madeira local e o bordado "boa noite", representando as cenas cotidianas, tudo é imagem e tudo em sua volta inspira Carolina a criar por meio do design de moda.
A luz, a temperatura, o espaço, os elementos de um cenário - ou a própria inexistência do ambiente preparado - a maquiagem, o cabelo, as características físicas de um corpo que se movimenta nas posições exatas… tudo isso é linguagem!
O contexto social contemporâneo preza pela valorização da imagem e pelas narrativas visuais. A moda, representante feroz do espírito de seu tempo, entende muito bem o potencial desta forma de linguagem e compreende em seus editoriais e fashion films a forma de contar uma história envolvente ao consumidor.
O designer de moda capaz de traduzir seus conceitos em um storytelling visual, se aproxima do seu cliente, e o tem imerso na sua verdade.
Por essa razão, uma das vertentes dos TCCs do IED SP é a Imagem de Moda.
Neste tipo de apresentação, o estudante analisa minuciosamente todos os detalhes de uma boa narrativa visual, e propõe, em sua autoralidade, a sua voz expressa neste formato.
Atualmente, o artesanato alagoano - assim como muito de todo o artesanato brasileiro - conta com uma identidade comercial, comumente relacionada à órgãos governamentais que promovem o turismo.
Os chamados mestres artesãos na Ilha do Ferro transformam diversas espécies de madeira em imagens religiosas, bichos da fauna de Alagoas, além das icônicas e simbólicas carrancas que, segundo a tradição, protegem quem navega nas águas do “Velho Chico”, o Rio São Francisco. O bordado "boa noite", em sua simplicidade de pontos, traz o colorido da alma do povo nordestino, às vezes representado em motivos geométricos, alegres e repletos de simbologias, às vezes, apresentando cenas do cotidiano local, os barcos, as casas, a pesca.
Tanta cor, tanta luz, tanta arte e vida, mas Caroline se perguntou se os próprios alagoanos conhecem e valorizam essa manifestação da sua identidade cultural. Se o povo que se expressa para seu sustento, tem tempo de observar a si mesmo como fonte inesgotável de expressão da arte e da cultura brasileira.
Diante desta dúvida, a aluna se propôs, por meio de sua formação profissional, a narrar a história do povo que circundou sua formação como ser humano. Com o design de moda, expresso em editoriais, lookbooks e fashion films, são contadas as verdades de um povo. Quase a metalinguagem, as figuras que contam essa história são as mesmas que a vive.
O ponto de partida, após tantos questionamentos, foi mergulhar nessa cultura, conhecer seus meandros, entrevistar artistas, familiares, grupos sociais da região e construir, pouco a pouco, sua colcha de retalhos pessoal, repleta de referências e histórias.
E quando chega o momento de traduzir suas pesquisas no design de moda, a aluna busca referências de designers da semana de moda nordestina Dragão Fashion, como o estilista pernambucano Melk Z-Da. Tecidos naturais e trabalhos manuais foram protagonistas em sua coleção engajada e enriquecida pelas tradições populares.
Também, na construção imagética de Ronaldo Fraga, profundo contador de histórias do povo brasileiro por meio da moda e de suas narrativas visuais.
E como traduzir tantas memórias, lembranças, sensações e vivências adquiridas em imagem? Caroline Born organiza suas inspirações e aprende uma nova língua, essa comum que habita a todos nós em algum lugar da nossa construção interior, aquilo que nos faz brasileiros.
De forma didática, divide sua história em atos, o primeiro, um editorial intitulado “Souvenir Imaterial”, que busca novas fronteiras e elos que despertam emoções. Nele somos levados a um lugar distante e peculiar, quase que separado do resto do mundo atual e seus dilemas, que nos proporciona um artesanato concebido numa arquitetura lúdica, nas margens do Rio São Francisco. Adentrar nesse roteiro, reflete a busca por conhecimento, novas informações, reflexões e sentimentos. É preciso viver essa experiência para agregá-la a formação interior e pessoal, uma vez que mesmo materializado, não se pode transmitir por completo os efeitos e suas variáveis.
O segundo editorial se chama “Jet Lag Afetivo” e experimenta boas sensações e sentimentos em momentos marcantes, que se instalam em nossa linha do tempo geral. Não se passa despercebido, merecendo reflexão e permanecendo em nós por um determinado período ou, para sempre, em nossa bagagem fixa. Aqui, há preocupação em tornar pública uma descoberta pessoal, não somente em termos de espaço, mas de reconhecimento em sua grandeza, originalidade e força.
E a autora mostra a si e as suas, no lookbook “Mulher do Nordeste”. Imagens que carregam uma beleza interna e externa que só sua terra poderia lhe conceder. Vivendo geograficamente no lado do país ao qual o meio lhe exige e espera sempre mais, várias batalhas são travadas em sua vida e isso não diminui sua potência, a torna ainda mais bela e intensa. Obstinada, seu impulso faz com que seus desejos e sonhos sejam alcançados fazendo parte de sua rotina destemida.
Ao findar o projeto a aluna percebe a relevância deste processo em sua carreira e em sua experiência pessoal. As imagens nascidas da descoberta de seu povo, trazem à tona um novo nascimento, da aluna que se torna designer.
O orgulho ao apresentar sua cultura e sua essência se manifesta em cada ato destas narrativas. E em uma sociedade pautada pela imagem, que valoriza o discurso visual - muitas vezes para além do ato ou fato - trazer luz aos artesãos nacionais, dedicar protagonismo àqueles que são deixados à margem, se torna mais do que um papel importante do design, mas uma ação essencial para o desenvolvimento coletivo.
Que a moda, em sua potência, seja capaz de contar as nossas histórias, e quanto mais nos virmos representados, mais amor e orgulho transborde de nossa nação.